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Foto do escritorMariana Torres

Prazer perverso

Ela era a menina mais bonita da escola. A mais inteligente também. A mais popular. E a mais gente boa. E foi ser logo amiga minha. Talvez só pra acentuar o que ela tinha de muito e eu tinha de pouco. Só para provocar mesmo. Mas foi. E nesses dois extremos surgiu a amizade mais improvável. Surgiu o amor de irmã. Junto com todos os seus desdobramentos.

Ela cresceu. Eu cresci também, mas ela foi mais rápida. Ela entrou direto na federal. Assim, na cara dura, sem cursinho nem nada. No fim do primeiro ano, todos já sabiam. Será uma brilhante advogada. E de propósito, só pra mostrar que ela podia, sentava no bar todo dia pra beber cerveja e jogar truco com a galera. E ainda tinha o atrevimento de não ter barriga. Quando entrei na faculdade privada boa, mas que não era nenhuma federal, ela já estava partindo pros seus estudos na Europa. Visitou mais de 20 países. Viu de perto as areias do Saara, recebeu cantadas de italianos, provou pães amanteigados, muffins batizados e eu aqui estudando.

Voltou e conheceu o amor de sua vida. Fino, educado, bonito, compreensivo. Formou-se, entrou no melhor escritório de advocacia da cidade, mas deixou tudo em standby para viajar o resto do mundo que ainda faltava com o homem fino. Enquanto isso, eu lidava com dps e ralava para conseguir ser efetivada num escritório bom, mas não o melhor. Mas em meio aos escorpiões no espetinho e praias paradisíacas, o inesperado. Tinha um cansaço que não era dela, um sono que não era dela e uma burrice que – óbvio – não era dela. Comprou um teste e sim. Estava grávida. A sua mais nova benção. Só pra provocar, teve uma gravidez linda. Brilhava. Sem dores, nem enjoos. Sem estresse, nem aumento de peso. Aí o bebê nasceu. E aí ela tinha grandes olheiras. As minhas eram grandes, mas as dela eram mais. E o mais já não era mais tão legal. Eu me cansava muito no trabalho, mas ela ainda mais com o bebê. Eu chorava muito, mas ela chorava mais. E o bebê dela ainda mais. E, de repente, o homem compreensivo já não era mais tão compreensivo. E nem participativo. E ela tinha que trabalhar mais. E se cansar mais. E ter mais olheiras. E já não era mais tão ruim assim ser eu mesma. E eu ia visitá-la como as irmãs fazem. E cuidava dela. E dizia que tudo ficaria bem. E que o marido dela não prestava. E que a vida não era fácil mesmo. E que ela podia contar comigo.  Dia após dia. E secava suas lágrimas com muito prazer. Um estranho e enorme prazer. Sem que nada melhorasse. Pelo menos, pra ela. Porque ela já não era mais tão legal assim. E aí eu podia ser. Mais que ela. Mais eu mesma.

 

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